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Acolher a parentalidade nas empresas não é um benefício, é uma nova competência organizacional

A chegada das minhas filhas trouxe junto a necessidade de repensar minha relação com o trabalho, ao mesmo tempo que ampliou minha consciência sobre os desafios das mulheres, sobretudo das mães, para se manterem relevantes no mercado após a maternidade.  

 

Para me entender nessa jornada, me especializei em parentalidade, que aborda a relação do cuidar de maneira mais ampla, não se limitando apenas à configuração heteronormativa de mãe e pai, mas todas as relações familiares possíveis que envolvem o cuidado e a educação de crianças e adolescentes.  E, o que começou como um impulso de desenvolvimento pessoal, dentro de casa,  hoje eu considero uma competência organizacional indispensável para empresas comprometidas em tornar seus ambientes mais inclusivos para as famílias e cuidadores.

 

A ciência diz que é impossível ajudar as crianças sem ajudar os adultos que cuidam delas.
Jack Shonkoff, Centro de Desenvolvimento de Harvard

 

Um tema amplo e uma pauta social que também diz respeito ao mundo corporativo. Precisamos falar sobre famílias, sim.  Mas antes, precisamos enxergar as mães e falar dessa camada sobre a qual ainda recai a maior parte da responsabilidade de cuidar.

 

Mães não se anulam. Mães são anuladas. Pela sociedade. Pela sobrecarga. Pelo patriarcado.
Lian Tai, ativista

 

Tive minha licença parental estendida e respeitada. Minhas necessidades foram consideradas, não só quando retornei, mas até hoje no contexto profissional. Tenho o privilégio de não ser mais uma na estatística de mães que perdem seus empregos antes mesmo dos filhos completarem dois anos de vida.

 

Vivo, na pele, as dores e as delícias do home office. Cheguei ao pico da exaustão trabalhando com dois bebês e nenhuma rede de apoio durante o isolamento social. Foram muitas as vezes que eu pensei: se eu, que trabalho numa empresa genuinamente comprometida com o bem-estar das pessoas, estou me sentindo assim, imagina as mães que não tem essa possibilidade?

 

O contexto de pandemia agravou ainda mais os desafios das famílias, especialmente as periféricas e mães que pertencem a grupos historicamente oprimidos,  gerando um  retrocesso no mercado de trabalho formal feminino. As mulheres não decidem empreender após a maternidade para ter mais tempo com os filhos, fazem isso porque as empresas não criam melhores condições para que elas tenham razões para ficar.

 

As mães estão mais cansadas, mais sobrecarregadas, com maior índice de burnout, menos satisfeitas, que sofreram mais com a pandemia. São elas que perdem vagas de emprego por terem filhos, elas que saem dos seus trabalhos. As mães que são declaradas ou se auto-declaram "culpadas" por tudo
Camila Antunes, Filhos no Currículo

 

Acolher a parentalidade nas organizações é urgente. Criar ambientes mais seguros para que as mães possam viver sua maternidade de maneira saudável, se manterem crescendo e evoluindo profissionalmente, deve ser uma pauta estratégica. Escolher entre a carreira e os filhos deveria ser opção, e não necessidade.

 

Entre a carreira executiva e a maternidade, eu escolhi as duas!
Mafoane Odara durante um evento sobre liderança

 

Estudos do Great Place to Work indicam que as 150 Melhores Empresas Para Trabalhar no Brasil, organizações que se preocupam e investem no cuidado com os colaboradores, têm uma taxa de rotatividade de 7%, contra o índice de 24% de rotatividade voluntária no mercado brasileiro, de acordo com o levamento de 2016 do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).

 

Pesquisas recentes apontam que pais priorizam questões familiares e trabalho remoto, enquanto não pais, valorizam mais a experiência de trabalho.

 

Os pais que trabalham são mais propensos a deixar seus empregos que seus colegas não pais. As razões incluem esgotamento por trabalhar em casa e fazer malabarismos com as responsabilidades de cuidar de crianças; desafios para retornar ao escritório, mas não encontrar cuidados infantis consistentes; e reavaliação da seu equilíbrio geral entre trabalho e vida pessoal.
Fonte: McKinsey

 

Minha luta é para que as mulheres deixem de ouvir perguntas absurdas sobre maternidade nos processos seletivos, para que as futuras mães não tenham receio de anunciar uma gestação ou processo de adoção, temendo pelo futuro de suas carreiras. Luto para que imagens de mães trabalhadoras com suas crianças em eventos corporativos sejam tão normais e aceitas quanto fotos de homens engravatados. Defendo que a maternidade deixe de ocupar um lugar de limitação e passe a ser percebida como potência!

 

Precisamos repensar a contratação de gestantes como um ato de inclusão a ser celebrado  pelas empresas e pelas próprias mulheres, já que isso é um direito mínimo. Acolher a maternidade é permitir que as mães tenham seu tempo preservado sem serem acionadas em plena licença maternidade. A ansiedade das mães perto de voltar ao trabalho, como se a demissão fosse algo normal e já esperado nesse momento, chega a ser cruel. Não dá mais para ficar em silêncio enquanto mulheres escutam de suas lideranças que não serão promovidas, porque agora são mães e não terão o mesmo engajamento e produtividade no trabalho. 

 

A sociedade é a mãe de todas as mães, mas quando nosso modelo falha em oferecer rede de apoio e em reconhecer que cada criança  diz respeito não só à mãe, mas ao mundo que construímos, ela anula uma mulher. Enquanto nossa cultura e estruturas familiares forem coniventes com a distribuição desigual das responsabilidades, estamos anulando uma mulher. Quando não reconhecemos que um bebê necessita de atenção integral e que é humanamente impossível dar conta disso sozinha e, ao mesmo tempo, se dedicar a um projeto pessoal ou momento de lazer, estamos anulando uma mulher. Enquanto não reconhecermos que filhos são para a vida toda e, que o impacto social, pessoal e profissional ainda é maior para as mães, continuamos a invisibilizando. 

 

Infelizmente menos de 1% das empresas brasileiras aderem ao Programa Empresa Cidadã, que prevê a extensão da licença parental (chegando a 180 dias concedidos às mães e até 20 dias aos pais). Até mesmo a discrepância de tempo, entre a licença de homens e mulheres não contribui para avançarmos nas questões de equidade de gênero.

 

A disparidade de gênero continua evidente num cenário no qual é preciso conciliar o trabalho com o cuidado das crianças. Enquanto 50% dos homens considera fácil conciliar filhos e carreira, apenas 33% das mulheres afirmam o mesmo.

 

“É preciso transformar a mentalidade de que cuidar dos filhos é uma responsabilidade exclusiva da mulher, engajar as empresas e a sociedade para essa discussão”, afirma Margareth Goldenberg, gestora executiva do Movimento Mulher 360.

 

Enquanto essa for a luta de uma mãe, deve ser de todas nós. Enquanto esse for um problema social, é dever das empresas mudar essa realidade. Afinal, se queremos uma sociedade melhor e mais justa, infância,  maternidade e equidade precisam ser uma prioridade. Toda grande mudança começa com microrrevoluções!

Aviso: As afirmações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de quem o assina, e não necessariamente refletem as posições da Thoughtworks.

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