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O “Homem Do Ano” e o Brasil, o que há em comum?

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Recentemente temos presenciado algumas manifestações envolvendo Edward Snowden, como o abaixo assinado para que o Brasil ofereça refúgio, a votação para que ele seja eleito o “Homem do Ano” em uma revista famosa e, mais recentemente, a carta aberta do próprio ao povo brasileiro. Pensei em uma reflexão sobre essa questão da espionagem até o momento e a posição do Brasil nisso tudo. Vou começar com um histórico (de um ponto de vista bem pessoal, tentando montar uma linha do tempo de alguma forma):

Legenda: Imagem de Quevaal, originalmente publicada na versão em inglês da Wikipedia.

1. Foram criados alguns serviços bem legais durante os últimos anos (redes sociais, mapas, navegação, etc.). O modelo de negócio mais viável para eles passa pelo monitoramento de hábitos, tornando possível otimizar a propaganda de uma maneira nunca antes vista. No modelo da TV, as empresas garantiam sua janela de atenção através dos programas e vendiam essa janela aos anunciantes. Hoje se vende também marketing baseado em contexto.

2. Alguns começaram a questionar essa mudança, mas poucos, especialmente ativistas, sociólogos e pesquisadores. As relações sócio técnicas são complexas de modo que era difícil prever possíveis efeitos e conseguir passar uma mensagem mais assertiva. Uma preocupação constante era de que instituições no poder (político, econômico, militar, informacional etc.) percebessem que todo esse aparato de rastreamento poderia ser usado para controle social, monitoramento de dissidentes, espionagem, chantagem, criação algorítmica de suspeitos, vantagens estratégicas...

3. As informações que o Snowden tornou públicas mostram que toda aquela preocupação tem sentido. Um esquema muito caro e tecnicamente avançado foi construído e está sendo usado há anos para a espionagem massiva dos cidadãos em favor de um grupo de países e de algumas empresas privadas. Eu ousaria dizer que essa realidade é muito maior do que os meus antigos receios.

3.1. Para ser honesto, não acho que os criadores de cada produto ou serviço pensavam que tecnologias como analytics, monitoramento, reconhecimento facial e outras fossem ser usadas para mais que marketing, como um grande plano maligno. Acredito que em boa parte dos casos, quando muito, era a crença no mito da “tecnologia neutra”: “Eu só crio novos produtos ou novas técnicas, em um ambiente controlado. Não sou responsável pelo uso que se faz delas, logo não preciso me preocupar com o possível impacto na sociedade”. Mas algumas instituições conseguiram cooptar isso e usar em benefício da manutenção e fortalecimento abusivo das estruturas vigentes de poder.

4. Mas não queremos um retrocesso, certo?  Então como manter o benefício dessas tecnologias sem nos tornarmos tão vulneráveis? Há iniciativas em software livre para criação de alternativas, e também há governos legislando de modo a adaptar as leis para essa nova era.

Voltando ao objetivo desse texto. E por que o Brasil tem destaque nisso tudo? Em primeiro lugar porque justificativas tradicionais como "defender a população de terroristas" não parecem coerentes com o Brasil ser alvo estratégico. E por que foco no Ministério de Minas e Energia e Petrobrás? É coincidência isso ter ocorrido logo antes do “leilão de pré-sal”?  Se repete a velha história: ações contra outros países acabam sendo em regiões com grande potencial energético. Além disso, o jornalista escolhido para ser o portador e mensageiro das informações quanto ao esquema todo tem forte relação com o Brasil. Por fim, a época é oportuna. Estamos discutindo o Marco Civil, que irá regulamentar – dentre outras coisas - os direitos dos cidadãos em relação a Internet e privacidade. Deixaríamos de ter uma legislação que praticamente desconhece as tecnologias para ser o país com uma das regulamentações mais avançadas nessa área (editado posteriormente: ao menos nas versões anteriores do Marco, que tem sido alterado ultimamente. Preciso tirar um tempo para estuda-lo de novo).

E se oferecermos o asilo? Claro que  existem complicações envolvidas no caso de oferecermos abrigo. A primeira seria em termos internacionais. Qual seria a reação norte-americana contra o Brasil? Eu acho que podemos esperar uma reação ao menos midiática (indústria de Hollywood , vídeo-games e jornais deixando de nos pintar como um país “boa praça”  e tentar nos associar ao “eixo do mal”). Depois tem a política interna: grande parte dos brasileiros é habituada a criticar qualquer ação do governo, e isso pode alimentar a desinformação sobre o tema, chamando qualquer ação de “eleitoreira” e coisas assim. Pode ser perigoso politicamente a um futuro candidato tomar partido agora.

Resumindo, acho que é de uma importância extrema que ele tenha nos deixando conscientes desse fato, ficaria feliz se nosso país oferecesse asilo. Embora aqui caiba um adendo, caso o asilo seja oferecido, acho que não deveria ser para ganhar algo em troca - como muitas interpretações que tenho lido  na mídia, quase fazendo parecer que a carta aberta aos brasileiros teria sido uma chantagem. Em minha opinião o asilo deveria ser oferecido porque creio que temos força política suficiente para levantar essa bandeira contra o uso criminoso e político das novas tecnologias. E porque até acho correto oferecer amparo a uma pessoa sendo perseguida politicamente por abrir nossos olhos.

Ampliando um pouco mais a reflexão. Convido a todos, especialmente nós tecnologistas - que às vezes podemos tomar uma pequena decisão técnica que coloca em cheque ou protege os direitos de nossos usuários – a sempre refletir sobre o que estamos criando. Independente da pessoa do Edward Snowden, mas atendo-me aos casos de vigilância e monitoramento, se nada for feito a situação tende a agravar. Cada vez mais os smartphones trazem câmeras, microfones e dispositivos de localização para nossos bolsos. A Internet “sai” dos browsers e invade nossos eletrodomésticos, televisões, carros. Câmeras já estão nas Smart TVs apontadas para nossas salas. No sentido inverso - de controlar as informações que recebemos - cada vez mais as tecnologias têm mediado o nosso acesso ao conteúdo. Pré-selecionando, sugerindo (ou até escondendo) nossos filmes, nossas notícias e os sites que acessamos. Não se trata, então, de reverter a evolução tecnológica, mas de convidar a todos a tentar garantir o uso consciente e transparente da mesma.

Adaptação de artigo originalmente publicado em ComputerWorld.

As opiniões aqui expressas são de inteira responsabilidade do autornão refletindo necessariamente as posições da Thoughtworks.

Aviso: As afirmações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de quem o assina, e não necessariamente refletem as posições da Thoughtworks.

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