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Design estratégico ou de estratégias?

Uma perspectiva crítica

"Quero atuar com estratégia" ou "quero me desenvolver em estratégia" são frases que costumo ouvir com frequência durante mentorias ou 1:1s. Designers em geral, sobretudo aqueles que ainda são plenos e juniores, veem na estratégia uma forma de entregar mais valor com o resultado do próprio trabalho e, por esse motivo, entendem ser de extrema importância evoluir nesse sentido. E eu não discordo. Mas, antes de tudo, é importante discutirmos um pouco sobre o que é estratégia.

 

Estratégia é uma palavra comumente usada no ambiente empresarial, sobretudo no contexto em que nós, designers, estamos inseridos. Seja nos livros, nos artigos, nos papos de corredor ou em situações de projeto, é praticamente impossível falar sobre inovação e criação de produtos e serviços digitais sem que a palavra estratégia seja citada, de tal modo que parece tratar-se de um conceito de sentido consensual e único entre todos os falantes. Contudo, basta refletirmos um pouco sobre os sentidos em que a palavra é usada para perceber que não existe qualquer uniformidade.

 

Há, sem dúvida, diversas definições para o conceito de estratégia, e não é minha intenção fazer uma análise sobre cada uma delas, de forma alguma. Meu objetivo é, numa primeira instância, diferenciar a aplicação dessa palavra em dois contextos distintos porém corriqueiros no nosso dia a dia profissional: o de ser um designer estratégico e o de ser um designer de estratégias. Em segunda instância, também é objetivo deste artigo iniciar uma discussão sobre esse assunto, para que possamos refletir com profundidade e criticidade sobre como podemos ser profissionais cada vez mais estratégicos.

O que é estratégia?

 

Segundo Hax e Majluf (1988, apud. Nicolau 2001, p.6), autores renomados no âmbito da estratégia organizacional, "estratégia é o conjunto de decisões coerentes, unificadoras e integradoras que determina e revela a vontade da organização em termos de objetivos de longo prazo, programa de ações e prioridade na atribuição de recursos." 

 

Para citar uma fonte mais conhecida do universo de design, o artigo intitulado Estratégia de UX: Definição e Componentes (tradução da autora), disponibilizado no site Nielsen Norman Group, declara que uma estratégia é composta por três elementos centrais: (1) uma visão ou declaração de intenção, (2) objetivos e métricas e (3) um plano de ação.

 

Se compararmos ambos os entendimentos, é possível perceber como os três elementos do artigo da NNGroup estão presentes na frase de Hax e Majluf, vejam só:

 

"estratégia é o conjunto de decisões coerentes, unificadoras e integradoras que determina e revela a vontade da organização (visão) em termos de objetivos de longo prazo (objetivos), programa de ações e prioridade na atribuição de recursos (plano de ação)."

Para facilitar nossa assimilação do que é estratégia, vamos tentar entendê-la a partir de uma abstração bastante conhecida: o desafio de sair de um ponto A e chegar a um ponto B.

Se queremos sair do ponto A e chegar ao ponto B, as primeiras perguntas que devemos fazer são:

 

  1. Por que queremos sair do ponto A? (implica, necessariamente, conhecer o cenário atual, seus desafios e oportunidades)
  2. Para onde queremos ir?
  3. Por que queremos chegar até o ponto B? 

 

Responder as perguntas acima nos revelará a visão ou a declaração de intenção, ou ainda o motivo que está por trás das decisões que serão tomadas.

 

O objetivo, por sua vez, está explícito no próprio desafio: chegar ao ponto B. A pergunta guia para esse momento é "como saber que chegamos ao ponto B?", ou ainda "como saber que estamos progredindo no caminho?". É neste momento, então, que surge a necessidade de estabelecer marcos de sucesso, que também podem ser entendidos como métricas de sucesso, que serão medidas para garantir que o objetivo será alcançado.

 

Por último, mas não menos importante, precisamos estabelecer quais são as melhores ações que nos farão alcançar essas métricas de sucesso e, por consequência, chegarmos ao ponto B. Essa etapa, então, é chamada de planejamento. Fez sentido?!

 

Como disse acima, há diversas definições do que é estratégia. Mas como minha proposta aqui é chegarmos a um lugar comum para avançarmos na discussão de maneira alinhada, serei ousada e trarei minha própria definição de estratégia, que considero ser um resumo de tudo o que foi discutido até aqui. Pra mim, estratégia é sobre agir, de maneira intencional e planejada, para se alcançar determinado objetivo.

 

 

Design estratégico x design de estratégias

 

Avançando no raciocínio, entendo que estratégia pode ser percebida como um meio ou como um fim. Quero dizer aqui que há duas lentes distintas para se olhar a estratégia: uma enquanto meio que nos levará ao ponto B; e outra enquanto fim, quando entendemos que a própria estratégia é passível de ser criada. É então que entramos no nosso próximo tópico, sobre a diferença entre o design estratégico e o design de estratégias.

 

Uma forma bastante comum de retratar o processo de design é a partir da analogia do duplo diamante. Desenvolvida em 2003 pela Design Council, o esquema divide um projeto de design em duas principais etapas: o primeiro diamante, dedicado ao contexto do problema; e o segundo diamante, dedicado ao contexto da solução.

Double Diamond, uma representação visual do processo de design, por Design Council.

Apropriados desse esquema, há muitas interpretações e novos significados atribuídos a ele, assim como também há variações desse mesmo desenho, a fim de deixá-lo mais próximo à realidade praticada pelo mercado. Há quem interprete que o segundo diamante, por exemplo, seja dedicado à construção "real" da solução, incluindo o desenvolvimento de códigos quando no contexto de produtos digitais, o que permite que a metodologia também represente as organizações que trabalham em modelos de squad para desenvolvimento de software. Neste texto, utilizarei uma interpretação do duplo diamante bastante comum ao universo das consultorias, que considera todo o primeiro diamante como a fase de discovery e todo o segundo diamante como a fase de delivery.

 

 

Primeiro diamante: Discovery (descoberta)

 

Situada no contexto do problema, essa fase de projeto prevê a realização de pesquisas cujo fim é entender qual problema deve ser priorizado e resolvido pela empresa, considerando objetivos de crescimento do negócio, necessidades do público-alvo e comportamento dos concorrentes. Por ser uma fase extremamente relevante e que tem como objetivo direcionar o que será construído no próximo diamante, essa etapa também pode ser reconhecida como uma fase estratégica. No universo das consultorias é comum, inclusive, que se venda projetos que compreendam apenas as etapas do primeiro diamante, cujo resultado pode ser, na maioria das vezes, um plano estratégico, que fornece direcionais para que a companhia contratante tome decisões relevantes sobre aquilo que pretende construir. Temos aqui a definição de um projeto de estratégia. 

 

No mercado, os profissionais que se dedicam aos projetos focados no primeiro diamante são conhecidos por designers de estratégias. O foco desse profissional é pesquisar, consolidar informações e reunir insights para, por fim, definir a visão, objetivos, métricas e plano de ação, ou seja, desenhar a estratégia do escopo para o qual foi designado.

 

No primeiro diamante, portanto, estamos considerando a estratégia como um fim, quando o objetivo é definir que estratégia será essa.

 

 

Segundo diamante: Delivery (entrega)

 

Situada no contexto da solução, essa fase do projeto prevê a construção do artefato que solucionará o problema priorizado ou, em outras palavras, a materialização da estratégia desenhada na etapa anterior. Por esse motivo, também é comum interpretarmos essa etapa como uma fase mais focada na operacionalização. No contexto dos produtos digitais, a fase de delivery é composta majoritariamente pelo desenho de interfaces e sua implementação que, por sua vez, é interpretado como algo restrito ao universo operacional e, por isso, menos estratégico.

 

Aqui estamos falando da estratégia como o meio pelo qual as decisões serão tomadas.

 

No mercado, os profissionais de design que se dedicam aos projetos focados em delivery recebem vários nomes, como ux designervisual designerproduct designer, entre outros, e parece comum a esses designers, ou pelo menos com alguns dos quais já me relacionei, a necessidade de se sentirem mais estratégicos. Trabalhar com foco na fase de delivery é, por vezes, erroneamente entendido como uma desvalorização da capacidade estratégica daquele profissional.

 

É por esse motivo que defendo neste texto o potencial que temos para sermos designers estratégicos, independente do papel que assumimos ou da etapa de projeto em que estamos inseridos.

 

 

 

Como ser estratégico dentro e fora de projetos de estratégia (ou ainda, como agir de maneira estratégica)

 

Parece um bom momento para retomarmos a definição de estratégia que sugeri anteriormente: Agir, de maneira intencional e planejada, para se alcançar determinado objetivo. Entendo que a definição, por si só, já fornece pistas para a argumentação que se seguirá.

 

Considerando a reflexão que estou propondo, a estratégia, entendida como meio, são ações, e por isso a definição acima traz o verbo agir no infinitivo. Podemos agir e tomar decisões de maneira estratégica o tempo todo, independente de projeto e até mesmo nas nossas vidas pessoais. Nesse momento, vocês podem pensar "Mas quando falamos em agir, já não estamos nos referindo ao universo operacional?". Sim e não. Tudo depende de qual é a pergunta norteadora por trás das ações. Se estamos falando sobre o como ou sobre o que, necessariamente estamos considerando o universo tático e operacional, mas se estamos falando sobre o porquê, estamos falando também sobre estratégia.

 

Agir, de maneira intencional e planejada, significa agir com consciência do porquê aquela ação é a melhor dentre todas as alternativas possíveis, e por que é justamente essa atitude que nos levará a alcançar o sucesso pretendido.

 

De volta ao universo da consultoria, há vários motivos para agirmos de maneira estratégica dentro dos projetos: para conquistar a confiança da cliente, para argumentarmos de maneira mais efetiva sobre nossas entregas, para garantirmos que o valor seja percebido, para evitarmos desgastes e retrabalho entre o time, para sermos promovidos (por que não?).

 

O ponto é: só estaremos presos ao âmbito tático ou operacional se não questionarmos sobre o porquê das coisas serem como são.

 

Sabe o que não é estratégico? Utilizar um novo framework no projeto, só porque "o mercado" diz que é assim que se faz design.

 

Sabe o que é estratégico? Utilizar um determinado framework no projeto que a cliente já conhece, porque assim ela se sentirá segura com o caminho proposto e pode ser uma boa maneira de ganharmos sua confiança ou reduzirmos sua ansiedade.

 

 

Conclusão

 

Querer atuar com ou se desenvolver em estratégia é uma decisão de carreira bastante genuína mas, para que o objetivo seja alcançado a curto ou médio prazo, a motivação e intenção por trás dessa decisão devem estar claras. Se desejamos atuar com estratégia, é importante trabalharmos a intencionalidade das nossas ações e mantermos nosso senso crítico apurado, ou seja, precisamos desenvolver as chamadas soft skills, ou habilidades comportamentais. Por outro lado, se desejamos atuar em projetos de estratégia, é importante desenvolvermos algumas hard skills, ou habilidades técnicas, como desenhar visão de produto e entender sobre métricas de experiência, só para citar alguns exemplos. Isso nos leva a refletir que é importante sermos estratégicos, inclusive, no desenho de nossa própria carreira.

 

Mas o assunto não se esgota aqui. Justamente por não haver um conceito de sentido consensual entre todas nós quando falamos de estratégia, boa parte de vocês pode discordar da argumentação que apresentei, e está tudo bem. O importante aqui é colocarmos o assunto na mesa e gerarmos um debate que contribua para o amadurecimento da nossa comunidade.

 

De qualquer maneira, deixo aqui uma provocação:

O quanto vocês estão sendo intencionais no dia a dia?

 


Referências

DESIGN COUNCIL. The Double Diamond. Design Council, 2003. Disponível em: https://www.designcouncil.org.uk/our-resources/the-double-diamond/. Acesso em: junho de 2023.

KALEY, A; GIBBONS, S. UX Strategy: Definition and Components. Nielsen Norman Group, 2022. Disponível em: https://www.nngroup.com/articles/ux-strategy/. Acesso em: junho de 2023.

NICOLAU, I. O conceito de estratégia. Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial, Lisboa, 2001. Disponível em: https://student.dei.uc.pt/~nfnt/conceito%20estrategia.pdf. Acesso em: junho de 2023.

Aviso: As afirmações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de quem o assina, e não necessariamente refletem as posições da Thoughtworks.