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Lições aprendidas sobre produtos internos

Lições aprendidas sobre produtos internos

Atuando por mais de um ano em um time de produto de uma de nossas clientes da Thoughtworks Brasil, pude reunir uma lista de aprendizados valiosos sobre um tipo bem específico e pouco discutido de produto: os produtos internos. Para definição e para fim de um melhor entendimento desse texto, vou me referir a um produto interno como um produto digital que uma organização não oferece para o público externo, mas que geralmente é usado como suporte às diversas atividades do negócio em questão. Esse tipo de produto pode ser um software que a organização construiu em sua totalidade internamente ou algum sistema customizado ou configurado por ela. Na maioria das vezes, esses produtos são construídos com o objetivo de otimizar algum processo e/ou escalar a operação do negócio satisfazendo necessidades de pessoas usuárias internas da organização ou permitindo que a organização satisfaça necessidades de clientes finais. Entender essas peculiaridades e os diferenciais de se aplicar a cultura de produto na gestão e desenvolvimento desses produtos internos foi essencial para impulsionar melhorias nas entregas do time e em todo o ecossistema em que o produto estava inserido.

 

 

Lição aprendida #1:

Cultura de produto importa do lado de dentro também

 

Em um passado não tão distante, grande parte das ferramentas utilizadas internamente nas organizações eram geralmente chamadas de "sistemas de back-office". Atualmente, muitas empresas adotam a ideia de nomeá-los como produtos internos, mas essa mudança de nomenclatura nem sempre implica em incorporar uma efetiva cultura de produto para desenvolvê-los. 

 

Produtos internos podem ter algumas características específicas como dependências e integrações com outros produtos internos, funcionalidades focadas somente na operação e não na experiência da pessoa usuária, dependência de dados e processos internos, entre outras. Em muitos casos, esse tipo de produto é desenvolvido sem um processo bem definido ou por times de projeto que nem sempre estão dedicados exclusivamente na resolução dos problemas das pessoas usuárias, ou por engajamentos que possuem escopo e data de término pré-definidos.

 

Na minha experiência, percebi que pensar em estratégia, visão de produto e traçar objetivos de curto e médio prazo, trazendo ferramentas e frameworks da própria gestão de produto para o dia a dia é fundamental para produtos internos também. Essa abordagem contribui para evolução do produto de uma forma muito positiva, pois quando passamos a olhar para o que estamos construindo de maneira holística, incorporando a cultura de produto e usando dados para uma melhor tomada de decisão, isso impacta a qualidade dos resultados de entrega do time, e aos poucos, também pode influenciar na visão de todas as pessoas envolvidas em entregar soluções de valor para otimizar a operação do negócio e resolver os problemas das pessoas usuárias.

 

 

Lição aprendida #2:

O relacionamento do time de produto interno com a pessoa usuária é mais próximo

 

O relacionamento do time de produto interno com as pessoas usuárias é um dos principais diferenciais quando comparados a times de produtos B2C (business to customer) ou B2B (business to business). Ao construir produtos para colegas, a proximidade e facilidade de contato diário pode ser um ponto muito positivo, pois isso implica em ter um canal direto de comunicação para fazer pesquisa de usuário, conduzir entrevistas, testes de usabilidade, validações, e também receber feedback ou sugestões de melhorias e novas funcionalidades.

 

Por outro lado, essa proximidade pode ser também uma desvantagem, quando nesse cenário algumas solicitações ou feedback chegam para o time como forma de requisição "top-down", ou seja de cima para baixo - aquelas solicitações que geralmente partem da alta gerência ou stakeholders de uma hierarquia mais alta na organização. E nesse sentido, é importante que o time saiba como gerenciar bem as expectativas que são criadas em torno de cada uma dessas requisições, ideias ou feedback compartilhados pelas pessoas usuárias. O principal aprendizado aqui é que o fato de termos contato quase diário com nossas usuárias não significa que devemos levar suas dores e suas necessidades menos a sério do que levaríamos caso as pessoas fossem usuárias externas, mas que isso também exige um grande senso de priorização para que requisições top-down não atropelem ou impactem os objetivos e resultados-chave do produto no longo prazo.

 

Outra lição valiosa sobre relacionamento é que também é importante considerar que apesar das pessoas usuárias estarem inseridas no mesmo ambiente coorporativo que o time de produto, elas não são nossas "teammates''. Ou seja, nem sempre elas entenderão as dores, problemas e eventuais atrasos de lançamento do produto interno em questão. É preciso ter muito cuidado com essa relação e ser ainda mais intencional em entregar valor para essas pessoas usuárias.

 

 

Lição aprendida #3:

O sucesso pode ser medido por meio da otimização dos processos

 

Na maioria dos casos, o principal objetivo de um produto interno é otimizar a operação e facilitar a forma que as tarefas e processos do dia-a-dia das pessoas que trabalham na empresa são executados. Mas medir o sucesso desse objetivo não é uma tarefa simples, quando você também tem o desafio de relacionar esse objetivo com uma meta do negócio. Mesmo que longe do contexto do produto interno, é importante que o impacto que esse produto causa no negócio da organização seja mensurado. 

 

Nesse sentido, as métricas que um time de produto interno precisa prestar atenção vão estar relacionadas ao quanto o produto conseguiu melhorar a performance da pessoa empregada em determinada tarefa, ou em quanto tempo o produto ajudou a reduzir o tempo total de execução de um processo interno complexo, ou no quanto melhorou a experiência da pessoa usuária em determinada operação que ela precisa realizar diariamente. E o ponto-chave é entender como toda essa otimização pode, por exemplo, reduzir custos ou elevar a receita do negócio de modo geral,  alavancar vendas, reter pessoas, ou liberar esforços de pessoas empregadas para atuação em outros processos que precisam de atenção. Uma possível solução para este desafio é definir os OKRs (objective and key results) do produto intencionalmente conectados aos indicadores de negócio ou KPIs (key performance indicators), para que nesse cenário o time consiga acompanhar as métricas certas e direcionar esforços para funcionalidades que irão causar o impacto esperado.

 

Então, enquanto produtos B2B e B2C geralmente focam em medir retenção e satisfação da pessoa usuária, produtos internos tem como principal foco as métricas de otimização de processos e sucesso de tarefas - ou seja, medir para entender como o produto está otimizando a operação da empresa e facilitando a forma que as tarefas e processos do dia-a-dia de profissionais da empresa são executadas como meio de atender algum objetivo de negócio, mesmo que de forma indireta.

 

 

Lição aprendida #4: 

A experiência da pessoa usuária importa

 

Com aquele mindset de projeto e olhando para os antigos sistemas de back-office, é muito difícil encontrar uma solução interna com um bom visual e uma boa experiência de uso. Um cenário comum para produtos internos é quando o time começa a atender uma série de requisitos e pedidos de pessoas usuárias e isso gera um acúmulo de funcionalidades uma em cima da outra, até que o produto se torna um grande aglomerado de funcionalidades, que, ao invés de cumprir seu papel de otimizar as tarefas, acaba tornando a vida das pessoas usuárias muito mais difícil, pecando pelo excesso e desorganização.

 

Essa é uma situação muito perigosa, pois satisfazer quem usa o produto não significa atender a todos os seus pedidos. Quando o time passa a focar somente na quantidade de entregas que adicionam uma nova funcionalidade requerida pela pessoa usuária, sem identificação e validação do real problema, a experiência acaba por ficar em segundo plano. E por cair nessa armadilha, é comum vermos por aí vários produtos internos sem nenhuma usabilidade ou com uma péssima experiência de uso.

 

A experiência da pessoa usuária é um fator chave para o sucesso do produto. Então não basta que alguém do time ofereça um treinamento específico às pessoas usuárias sobre como usar determinada funcionalidade recém lançada, se elas não entenderem por si sós ou não conseguirem completar o job-to-be-done usando o produto no dia a dia. O aprendizado aqui é que a experiência da pessoa usuária também importa e isso não se resume a somente ter um produto com telas bonitas, mas sim entregar a melhor experiência possível para otimizar o trabalho de quem usa, resolvendo seus problemas reais.

 

 

Lição aprendida #5: 

Gestão de mudança é o nosso go-to-market

 

Estratégias go-to-market definem como uma empresa irá lançar seu produto em um mercado específico, buscam entender o público-alvo, entender outros produtos já oferecidos e como as vendas podem ser otimizadas para assim planejar como lançar um produto no mercado. Esse tipo de estratégia não funciona em produtos internos pelo simples fato de não termos um mercado. Como mencionado anteriormente, produtos internos não são oferecidos para venda ao público externo. Mas nesse contexto, como acontecem nossos lançamentos?

 

Aqui entra uma tarefa importantíssima do time de produto interno, a gestão de mudança. Produtos internos estão constantemente criando iniciativas para melhorar a performance das pessoas usuárias - e isso remete à mudança. Muitas vezes, ao lançarmos uma nova funcionalidade ou um novo produto interno, a pessoa usuária precisa mudar totalmente a forma que desempenha uma tarefa ou aprimorar processos internos de acordo com a nova realidade. A gestão de mudança começa por conhecer o público interno, entender como esse público já desempenha processos e encontrar a melhor forma para otimizar o trabalho atual com a adoção desse novo produto ou dessa nova funcionalidade.

 

O papel de gerenciar mudanças muitas vezes pode ser desempenhado pela própria pessoa gerente de produto ou por alguma pessoa dedicada exclusivamente ao planejamento de lançamentos e a fazer com que as pessoas usuárias se adaptem da melhor forma possível às novas funcionalidades ou melhorias do produto. Um aprendizado importante que tive, é que essa gestão de mudança não precisa acontecer somente no momento de comunicação de lançamentos ou no treinamento de novas funcionalidades, mas sim, desde a etapa de descoberta. É muito importante que estas pessoas focadas na gestão de mudança e adoção estejam envolvidas na ideação de novas funcionalidades e na resolução de problemas desde a análise, pois elas terão insights poderosos sobre como tornar o processo de adaptação menos doloroso e mais efetivo para as pessoas usuárias internas.

 

 

Conclusão

 

Fazer essa virada de chave da mentalidade de projeto para produto nem sempre é uma tarefa fácil. Para nós, como pessoas consultoras responsáveis por influenciar e levar as boas práticas para nossas clientes, é uma missão ainda mais complexa. Muitos dos aprendizados aqui listados aconteceram e ainda estão acontecendo conforme a cultura de produto vem sendo implementada e desenvolvida em conjunto com a cliente. Pensar em produtos internos como um tipo específico de produto, com suas particularidades e desafios aplicando técnicas e frameworks de gerenciamento específicos é a melhor forma de assegurar o sucesso do produto. Garantir que as pessoas usuárias sejam ouvidas da melhor forma possível, que seus feedbacks sejam considerados e priorizados de acordo com a estratégia do negócio, bem como, garantir que a experiência não será impactada ou desprezada contra requisitos top-down e focar numa efetiva gestão de mudança com o objetivo de otimizar a operação da organização e maximizar o valor do negócio foram os aprendizados de boas práticas mais importantes desse engajamento.

Aviso: As afirmações e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade de quem o assina, e não necessariamente refletem as posições da Thoughtworks.